Eu, em 1974, com 28 anos de idade, nas oficinas da empresa |
O engenheiro que me ia entrevistar teria uns 60 anos de idade. Era uma pessoa com uma formidável apresentação: simpático, cordial, de postura e gestos elegantes. Inspirou-me confiança e descontração.
Eu estava no gabinete dele para uma entrevista para o que eu
esperava poder vir a ser o meu segundo emprego. Eu teria uns 25 anos e um
"curriculum" que começava a "engordar". A função (conforme
vinha descrita no anúncio do jornal): responsável pela criação e direção do
gabinete de Relações Públicas e Comunicação numa empresa com 4.000
trabalhadores do ramos de transportes.
Depois de uma conversa informal sobre o tempo e outras banalidades
para criar ambiente (e que ele soube muito bem gerir) passámos à questão
central: o candidato, eu. (Entretanto, lá fora, estavam mais 5 pessoas que iam
ser entrevistadas; todos nós já tínhamos passado por uma série de fases
eliminatórias, incluindo os inevitáveis testes).
Voltemos à minha entrevista. Começou com perguntas de fácil
resposta até que me colocou AQUELA que eu esperava e onde eu ia apostar tudo:
"Nelson, tem algumas IDEIAS para o trabalho que a função requer"?
EU TINHA. Eu tinha 10 páginas de ideias, um verdadeiro plano
de trabalho, uma grande proposta!
Abri a minha pasta e estendi-lhe as folhas de papel que eu
havia escrito nos dias anteriores. Ele mostrou-se surpreendido pois esperava
muito provavelmente que eu titubeasse umas coisas sem grande consistência.
Mas não foi assim, meus amigos. Quando eu soube qual era a
empresa e que ela desejava criar um serviço novo (um gabinete de apoio à
Administração com responsabilidade directa na construção da imagem da empresa e
nos contactos com a imprensa e o público) eu pesquisei tudo o que me pudesse
informar sobre a organização para ver que tipo de serviço eu poderia propor
(recordo aos mais novos que não havia internet). E foi assim que enchi 10
páginas de ideias.
O engenheiro olhou para mim, sorriu de surpresa e visível
satisfação e começou a ler. Esperei longos minutos, intermináveis minutos.
Depois, ele voltou a sorrir e disse-me: - "Nelson, isto está espectacular;
isto é uma verdadeira proposta de trabalho, inacreditável pois você ainda é
candidato....(pausa)....ou talvez não! Amanhã, eu telefono-lhe".
Não sei como correram as entrevistas dos outros candidatos.
Lembro-me de um pormenor. Nenhum levava pasta. E pensei "talvez não levem
mais do que duas ou três ideias na cabeça". Sorri para mim e saí.
No dia seguinte fui contratado e fiquei na empresa 9 anos até
ser chamado para a vida política, em 1980.
Enquanto lá estive criei o gabinete de Relações Públicas e
Comunicação, o jornal e a revista da empresa, o centro cultural, escrevi um
livro sobre a história (da empresa), restaurei alguns veículos antigos que
agora estão expostos em museus americanos e portugueses (uma longa história
essa), etc.
Ultrapassei-me a mim mesmo pois fui além do que tinha
escrito naquelas 10 páginas iniciais e que me fizeram merecer o emprego (e a
empresa merecer o meu trabalho!).
Meus amigos, o mundo mudou. O mercado de trabalho também.
Mas hoje eu usaria a mesma estratégia! Aliás, é o que faço. Ser diferente!