Viajar como
quem se deixa nascer para outra realidade, sem juizos de valor, como a atitude
das crianças que entram neste mundo, de repente, sem guia turístico ou outro, a
abrir os olhos, os ouvidos, a tatear, a captar…Nunca ficamos iguais depois de
uma viagem em que o pensamento se exercite a ficar numa atitude de
receptividade, de compreensão , de descoberta, de conexão.
É criançar, é ter vivências desmedidas, sentir sem
limites de pensamento, como se os sentidos fossem mais de cinco, e um sexto,
um sétimo sentido nos arrastasse para
além do descritível pelas palavras sensoriais .
As crianças captam, ouvem, expandem a cada minuto, a
cada olhar, a cada abrir e fechar de olhos.
Extravasar os limites da fronteira que é a nossa pele
, o nosso corpo, e captar o que vibra, o que vive,o que não podemos classificar
nem julgar.
Nós vamos sendo condicionados na maneira de olhar, de
ouvir, de tocar, de expressão … aprendemos códigos de comportamento, sempre
sujeitos à interpretação num espaço e
numa comunidade. Morremos aos poucos por inação , por atilhos a prender
movimentos, pensamentos. Copiamos , comparamos, não criamos…Deixamos de ser
crianças.
Quando viajamos sem preocupações de grandes
informações prévias a descoberta interpela-nos mais a nu, sem estarmos nem na
defensiva nem na comparação. É bom olhar e ver como as crianças, sem imaginar
antes…O quê? O que sente quem nos olha? Temos uma barreira física dentro da
qual nos movemos e nos introduz antes de falarmos. Linguagem não verbal .
Sentir não é comparar. Sentir tem as portas dos
sentidos e as outras para entreabrir e
esperar o que surge. Sentir é expectante. Nascemos de novo, pois quando
entramos neste mundo temos o mais difícil exercício de adaptação ao
desconhecido de toda a nossa vida. A superar para viver. E viver será sempre
superar. Se flutuamos não vivemos, estamos sem sentidos de olhos abertos.
O absoluto e o relativo…Porque é absoluto o que
conhecemos e relativo o que é desconhecido?
Viajar relativiza-nos. Recoloca-nos perante nós
próprios. O absoluto passa a ser o relativo…É tudo absolutamente relativo. Segurança? No equilíbrio do
momento. Quanto mais arrisco mais momentos seguros sinto. Obrigo-me a encarar a
fragilidade do momento e a segurá-la para não cair...
As paredes entaipam, limitam, fazem-nos retroceder
porque não deixam avançar. Quem não avança recua.
Ir é sempre um futuro …Para onde vais? Para o futuro…
nada mais do que isso. O presente é um patamar com acesso a uma escada que sobe
outra que desce...
Maria José Elias